Eu quero conversar com você, mas não consigo
Havia um dia nublado:
─ A gente não pode mais fumar neste quarto! Levantei-me preguiçosamente da cadeira e fui fumar meu cigarro no quintal. Havia muita roupa pendurada. O chão estava frio, aos sábados e domingos dispenso o calçado. Dei minhas tragadas enquanto batia as cinzas em um saco de lixo preto. Apaguei o cigarro e pensei como seria bom parar de fumar e fazer mais exercício físico.
Andava pensando sobre a contradição e o quanto era importante não se contradizer, mas voltei e a T.V. estava ligada. Logo, meus pensamentos filosóficos foram superados pelo “Chefe de polícia, grande fã de basquete, halterofilista, cuja filha estava seqüestrada pelo pior inimigo”. Era uma série. Eu nunca acompanhei um capítulo. Chamou-me atenção a trilha sonora e nada mais. Era importante sentarmos em frente à T.V. e deixar o tempo passar até chegar o amanhã e nos despedirmos prometendo o mesmo para o próximo fim de semana. De repente,
─ A gente precisa conversar! Então abaixei o volume da T.V.
Aos sábados e domingos me sinto meio preguiçoso, falar de problema e de crise conjugal também me aborrece um bocado. Mas, virei e ouvi o que ela tinha a dizer. Não era nada de mais, eram as mesmas reclamações de sempre:
Você era assim, você era assado, você era carinhoso, você me levava ao cinema, você se diverte mais com seus amigos, você é o seu pai cuspido e cagado, você nunca me deu flores, você fede, você está muito cheiroso, pra quem? Você só me beija quando quer transar, quem é essa fulana que está te mandando beijo no Orkut? E eu sempre me calo e ouço mais calado ainda, vou sendo pintado feito um Picasso qualquer, em outras palavras, eu sempre me fodo.
Eu queria ser jogador de futebol e não ser apenas um funcionário público. Eu faria como o Kaká, jogador do Milan, da Itália, que está contundido: jogaria muito videogame, daria muitas entrevistas, faria muitas viagens e, quando retornasse para casa, traria flores e faria amor a semana inteira, sem ter muito que conversar.
