quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

CAPÍTULO 6 - Balão, samba e futebol, no acúmulo da sul (Parte 2)

Se o professor quisesse que eu entrasse, eu entraria com certeza. Eu estava com um bom tênis e a camiseta da escola podia confundir-se a qualquer manto sagrado. O tempo passava rapidinho e eu encostei-me ao muro da quadra, que eram pilastras separadas de quinze em quinze centímetros. Ali, comecei a me afundar quase todo, me esconder do meu próprio desejo. Acho que na nossa adolescência quando queremos fazer algo e não temos o mínimo talento para isso, ficamos todos ruborizados, queimando de raivosidade todo o estômago, vontade de socar as pessoas, xingar a esmo, explodir, vociferar, somos coca-cola agitada. Eu jogaria em qualquer posição, até goleiro, nem todo brasileiro é Pelé.

Quando eu estava quase atravessando para o lado de lá, da rua, por tanto fazer força em me ocultar, vi que o professor promovia mudanças. Jogávamos contra a 8ª série e o placar era elástico.

─ Deixa o menino brincar! Certa vez reclamou a mãe na reunião de pais, o que o professor respondia com um simples aperto de mão “pode deixar, fica tranqüila”. Fica tranqüila? Sei... Tem muita gente inventando moda por ai, perseguindo profissional sério, mas os peixões nadam de barriga para cima engordando de tão filhos de umas putas que são...

O professor era uma grande canalha (FDP). Corria na boca miúda que ele colocava as aluninhas da 8ª série no colo e pedia para chamar de “papai”. Tenho nojo desses tipos, tenho vontade de cuspir na cara. O professor de educação física xavecava e fazia o que nem sei mais, o que apenas nossa mente infértil, quase infantil de adolescente burro, podia imaginar, a gente mal sabia o que era menstruação, agora a molecada ganha camisinha na escola para usar no final de semana, depois do baile funk. Eu posso garantir que ele tinha a cara e atitude do mais infante F.D.P. Uma vez o Rick entrou gritando no vestiário que o professor Carlos não passava de uma grande bicha louca e se Deus existe iria mandar aquele bosta queimar no quinto dos infernos porque nem a Secretaria, ou a Direção, podia com ele.

Tenho raiva e nunca vou perdoar o fato de Carlos omitir-se em defender, proteger, ajudar os mais fracos, os mais inteligentes garotos bobinhos da escola, ou seja, a classe oprimida dos pernas-de-pau. Mas, se estes meninos fossem tão inteligentes assim, essa raça de meninos que escondem a cabeça entre as pernas e se matam por uma vaga no time da escola e têm queimação no estômago para jogar o joguinho da bola, porque insistir na frustração? Parece coisa de garoto da periferia, tipo abóbora de Halloween, mas a verdade é que todos somos meio que Pelé, meio que na perna ágil, ou no pensamento rápido, ou meio dentro da cabeça com a jogada mágica, porque jogávamos futebol de botão e éramos todos garrinchas, éramos todos Tafarel, Zico, Falcão, Telê, Pepe, Coutinho, Zidane, Platini, Gullit... com nossas tabelas infernais, tecendo o gol por entre a defesa adversária para depois ganhar o prêmio da Sara, meio súditos dela, desta corte chamada futebol nacional.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

CAPÍTULO 5 - Depoimento

CAPÍTULO 5

Depoimento

Clínica de Reabilitação, Brasil, muitos dos meus heróis morreram de overdose, ou estão recolhendo seus cacos, num chinelinho havaianas e tocando o terror naquela porcalhada do centro, Santa Efigência, maldito caminho das pedras. Para falar a verdade, não há nada glorioso no hábito do cachimbo infernal. Se há sexo no meio, ele não é o fim. Se há dança, acredito que da morte, lago dos cisnes negros, fumacinha que te integra às grades de imensa prisão. E todo depoimento de dependente químico aqui da clínica é parecido, sem muita variedade, é conhecer esse universo e sucumbir, com chances reduzidas de levantar, as asas de qualquer Fênix previamente cortadas:

“Quando eu conheci o crack, minha vida acabou, me prostitui até que fui morar embaixo do viaduto. ‘Tava passando em frente a um grupo, de auto-ajuda, né! Ai, eles me falaram que iam me levar para uma clínica e... só que como no processo de tratamento me veio uma recaída emocional muito grande porque os meus pais, sabe, eles não aceitavam muito ainda. Teve um dia que eu tive um despertar espiritual, não!, vou voltar para aquela clínica e vou ficar. E ai, até uma flor assim e eu falava: nossa! Eu tava... Comecei a viver de novo. Já passados seis meses de internação, eu tive a primeira visita, a minha família, a comunidade e aquele dia foi muito bom, eu vi que apesar de tudo eu não estava sozinha. A minha superação veio do amor incondicional. O amor me salvou, talvez sem o amor, eu não teria sobrevivido”.

Daí subiu ao púlpito um especialista no assunto que colocou um vídeo para assistirmos:

“Bastam dez segundo e o efeito do crack é fulminante:

─ Vendi tênis, roupa do corpo, penhorei um carro na boca por 100 pedras.

O crack também está sendo consumido por pessoas da classe média e da alta. Um estudo mostra que o consumo do crack quase dobrou. Na cidade de São Paulo, estima-se que 70.000 pessoas usem a droga. No Rio Grande do Sul, 50.000 dependentes e no Rio de Janeiro, uma mistura com maconha é celebrada em sites de relacionamento:

─ Quem usa crack não tem muita escolha: ou faz um tratamento, ou vai acabar parando em uma prisão, ou vai acabar morrendo, não tem jeito.

Uma pedra de crack chega a custar menos que uma garrafa de cerveja, mas custa muito caro para o governo. Tratamento particular, então, cerca de R$8,000,00 por alguns meses. O dependente fica internado e num primeiro momento, acredita que está numa prisão. Depois de algum tempo, muitos conseguem entender que para realmente tornarem-se livres precisam de cadeados, portas e de muitas grades, não conseguem mais se proteger de si mesmos. Este homem tem 42 anos, três filhos e foi criado por uma família de classe média alta. Só nesta clínica é a 4ª vez que tenta o recomeço. Para cada um dos 24 homens a experiência é diferente: na maior parte do tempo, eles tentam recupera a saúde e a fé, a esperança de que algo importante os espera em casa, redescobrem o prazer sem vícios.”

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

CAPÍTULO 4 - Balão, samba e futebol, no acúmulo da sul

Briga, eu nunca aprovei e digo: se possível, sai correndo, não é covardia. Naqueles tempos de várzea, já morria muita gente com as narinas entupidas de cocaína. Eram os anos 80... Não tem truque... Você fica na parte de cima do morro, longe da mulher do cachaceiro, porque alguém vai acabar dando um tiro... Bem de manhãzinha, pode pesquisar, muito baloeiro se reunia no campo do Grande Time, lá para as bandas do Jardim Progresso. Meu pai me acordava bem cedo, nunca gostei de acordar cedo, e falava que estavam soltando balão lá no campo.

Moleque, sabe como é, gosta pouco destas coisas. Eu e meu pai ficávamos a certa distância. A rapaziada ia chegando, enchendo aqueles balões imensos. A cangalha explodia sua magia furiosa no céu que quase sempre ofuscava de tão azul:

─ Aquele parece o Vasco da Gama.

E eu via subir um balão todo branco com a cruz preta, parecia mesmo uma homenagem ao Vasco. A horda era imensa. Gente muito louca e apressada, era soltar o balão e correr para o carro. Eu não conseguia nem imaginar onde ele iria cair. Hoje sou mais político no assunto, um sujeito, como dizem, global. Criançada, não podemos soltar balões porque eles são vilões da natureza (adaptado de cartilha de ensino infantil).

Daí começava o torneio. Partida inesquecível: O Jabaquara estava nos visitando. Batucada e perninha fina de metida a sambista encarando o meu pai para pagar uma cerveja. Daí o velho me apresentava:

─ Esse é meu garanhão!

Naquela época, eu nem sabia o que significava a palavra “garanhão”, isso só ganhou sentido na boca de muitas Saras. Sei lá, lembrei disto por distração, ou mesmo tesão. Porque vou lembrando e a cadência daqueles sambas antigos é o que dita o ritmo deste som.

Voltando ao jogo, o Jabaquara goleou, meu pai dizia que aquele time era do caralho (não com essas palavras, mas com palavras aproximadas). Ninguém ameaçou o time contrário, até porque a velha guarda sabia do peso e do lugar místico a qual se situava o Jabaquara. Talvez, nem Pelé, Pepe e Coutinho pudesse fazer jogo fácil com os mágicos daquele time. Tempo bom.

Daí, percebi que meu pai bebia cerveja, aos finais de semana, quando íamos para o campo do Grande Time e no restante dos dias cachaça mesmo, no bar, jogando o joguinho: sinuca, dominó e baralho, valendo uma dose de Ypiocá, que era luxo na época, a Grande Caninha. Bem de cima do morro, vi subir um poeirão e gente saindo daquele furdunço vomitando os bofes. Tiros. O bêbado estava armado, a mulher meio breaca, o rapaz bastante excitado passou a mão na proibida. Acabou o batuque e ainda não sei se o pedaço de madeira cravado no meu braço era do tamborim que se dissolveu na confusão.

A polícia demorou a chegar, esbaforidos fomos contar a confusão para a mãe, era dia de faxina, nada a distrai, nada a acalma, nem pastel, nem caldo de cana, simples assim. Entrar em casa e sair rapidinho. Meu pai era mestre em artifícios e se hoje eu sou assim, meio non sense, graça a ele, meu pai.