sexta-feira, 24 de junho de 2011

CAPÍTULO 7 - RUA

CAPÍTULO 7
Rua

Moleque que se preza, descolado, daquele tipo que se descola da obrigação emergente, gosta mesmo é de besteira, prefere toda mídia da putaria acessível, à escola. Repetições, mesmo que achando serem únicas, sempre repetições....
Musiquinha que me lembro bem: Trancou a porta do opala, depois jogou a chave fora. Ela ficou a vontade, até deitou o banco no chão. E por ai vai, remetia, suplicava que fôssemos todos canalhas e com incentivo, nossos pais, avos, mães, querem mesmo nos fazer predador.
Amarelinha era mesmo um pretexto para eu brincar com a turma do meio porque era a parte da rua que morava a Marcela: moreninha linda; cabelos pretos, longos e lisos; boca redonda e exageradamente vermelha sem maquiagem; perninha macia, tenra e clara; rostinho simpático. Era um pequeno espetáculo, porém, me via como um pobre garoto sem irmãos para brincar. Acho que aquela gente nos chamava para brincar sabendo que faziam um bem social, nunca entendi aquele olhar superior, aquela birra para emprestar a bola, aquele medo em nos convidar para o almoço. Cresci com uma cambada de gente que nunca me chamou para almoçar. Festinha de aniversário freqüentei pouco. Mesmo assim, considerava e defendia o Zé povinho da classe média, queria namorar aquela menina que com 12 anos já sabia que seria advogada, como o pai, e que falava inglês e era da equipe de ginástica do colégio particular, cheio de garotas mentalidade classe meia.
Só porque mamãe me dizia para não me juntar com o pessoal barra pesada da parte do alto, eu me arriscava pouco para o joguinho da bola, tantos gols marcados com ambas as pernas me deram considerável prestígio. E lá na parte de cima da rua morava a malandragem, gente que ouvia Bezerra da Silva e praticava candomblé nas noites de sexta e que já bebia muita cerveja, descolados.
Eu sempre obedeci minha mãe, mas quando ela sai para trabalhar seu serviço duro, humilhante e honesto, eu pegava a bicicleta para dar um rolezinho. Evidentemente, junto com a galera descolada. Eles se divertiam mais, gozavam uns das caras do outro e se batiam quase sempre. Aprendi a apanhar para depois bater e também saber quando fugir e negar para depois amolecer e sucumbir.
A Rua das Lembranças dos Meninos com Ginga, a sede, cada milímetro quadrado marcado. O tempo parece que roubou a alegria daqueles tempos e o asfalto já não é o mesmo, está todo retalhado. As calçadas já não são mais as mesmas, menos barulho de criança brincando e mais ruído de música industrial. Portões automáticos guardam os carros de gente que se enquadra na classe média, carros novos, carros parcelados, quitados, importados e motos em geral. Gente estranha, desconhecida. A nuvem da meninice dissipou e o bairro envelheceu. Reconheço ainda alguns meninos que desandaram e continuam ali por falta de opção.
─ O Vanderlei pode brincar? Perguntou Rafael para a Marcela. Era ela quem decidia o garoto da parte de baixo que poderia participar da queimada.
─ Tá bom! Respondeu a garota que mesmo correndo naquele asfalto tinha sempre branquinha a sola do pé. Milagre? Privilégio da classe média? Não sei, eu mesmo nunca chegava em casa com o pé menos sujo que o carvão. Suava? Marcela nunca suava, mantinha as bochechas avermelhadas e nunca suava, sempre com aquele ar superior e lindo.
Peguei a bola e logo no primeiro lance acertei uma bolada em cheio na cara do irmão de Marcela. Ele veio para cima, dei um murro na cara dele onde já havia acertado a bolada. Sabia que se ele continuasse com aquela valentia toda acabaria apanhando mais. Bati e me esquivei. Olhei para ela e ela mal me enxergou, ignorou, levou o irmão para dentro de casa, o bestinha chorava. E eu nunca mais fui chamado para brincar com a parte média da rua.Daí, fiquei amigo do Alemão e do Cacá e debandei para os lados de cima de vez. Minha primeira cerveja tomei no bar, ninguém me pediu R.G e eu o Cacá ainda levamos para a pracinha da Rua das Lembranças dos Meninos com Ginga as primas do Naldinho, duas moreninhas lindas que beijavam muito gostoso.