sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Risco do Risca-Faca – Alexandre Rocatto

Correria na feira, pernas para quem te quer. O cadeirante tirou forças dos mitos, minotauro urbano ladeira abaixo. Mocinha, peitinho de pêra, esqueceu de empinar a bundinha pro Maneco da uva e correu também. Reinvenção do jagunço esquecido, o sangue de Jesus de poder atrás do muro da creche. A criança perdeu o brinquedo, trezentas vezes pisoteado no asfalto duro. Ai, meu Deus! A mãe segura mais forte a mão do menino, trote-galope, no que o catarro parou na camisetinha ordinária.

Olha o peixe! Leva o peixe, minha gente! Virou corre, gente! Corre, gente! Pernas de minotauro, uva também no chão duro. Por Deus! Meu Deus! Criançada e o jagunço, deu soluço e o sem ar...

Tiros na feira, as feras de um agreste perdido, ou Minas? Sertão, grande. Zé, ou Nuno? Não se sabe quem atirou primeiro. A voz do povo é a voz do povo: só crê quem vê. O resto, lero-lero.

Nostalgia bipolar - Alexandre Rocatto



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O novelo velho novo


Há tempos li uma poesia que falava de novelo, de gato brincando com novelo. Sei que a ideia de novelo é velharia para quem só fuça em quinquilharia atual. Meu novelo de palavras é seu scrap no Facebook, minhas analogias de memória, seus comentários do assunto da moda no Twitter. Velho e novo disputando espaço e coexistindo, ainda não sei se de forma pacífica ou não, coexistem misturadas ainda. Meu novelo não vê novela. Minhas retinas estão fatigadas do mesmismo e os novelos que enxergam, ainda, estão mofando no fundo do porão. Quer ser o novelo mais que linha enovelada, quer ser roupinha da estação dos que frequentam os bailes da terceira idade. Enquanto eu danço com uma velinha simpática, tio Honorico adiciona mais amigos à sua rede. Tio Honorico já não deita em sua rede de aflições a muito tempo. Tio Honorico agora chama Tio$... Mas ainda ouve "Fuscão Preto"...

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Pensamento cyberinfectado

Curiosidades do Facebook: Quando eu falo sobre algum assunto sério, tipo literatura, política, cultura, recebo poucos comentários. Mas quando falo em cerveja, putaria e balada, minha caixa de mensagens bomba. Por que será?

Miniconto de bar - O inoportuno...
Duas amigas conversam: - Migucha! Agora eu sou morena! (Havia acabado de pintar o cabelo para castanho escuro). No que a outra responde: - Ai, amiga, também vou ficar morena. E o inoportuno só filmando. - Migucha, acho que fico melhor morena, você não acha?. - É ficou bom sim. Cansado, o inoportuno, bateu a mão na mesa e disse desaforado: - Não é o tom da pele que define se alguém é moreno?. Elas não entenderam e nunca mais o chamaram para tomar uma no bar...

Miniconto de bar - O inoportuno Parte II
As mesmas amigas (que eram loiras e haviam pintado o cabelo de castanho escuro) estavam eufóricas com o novo visual: - É verdade, amiga, você fica linda morena!. E no meio da noite, estavam tirando um sarro da cara de um colega porque ele havia deixado uma franja ao contar o cabelo: - kkkkk, o Pedrinho virou emo. Na lata, sem pestanejar, Pedrinho respondeu: - Quer dizer então que se eu fosse negro, vocês me chamariam de escravo?. Enfim, nunca rotule alguém pelo estilo dela...

quinta-feira, 14 de julho de 2011





Ordem e Progresso

CAPÍTULO 8
Ordem e progresso


A bandeira do Brasil, ela é bonita, das mais bonitas que já vi. Tem mar, estrelas, selva e sol em quatro cores bem distintas. Mas sentado neste banco da clínica e observando os detalhes deste ambiente que não é mais sinistro, vejo o quanto nossa bandeira é bonita e me falava no passado tão pouco. Ordem e progresso, leio. Nunca tinha parado para entender o que significa: Ordem quer dizer regra, ou comando, que o bagunçado deve se arrumar e o rebelde obedece quem pode mandar. Entendi assim porque é o que o nosso terapeuta mais prega em nossas reuniões.
─ Sejam responsáveis pelas cuecas que vocês vestem e, se ela cheira a mijo, é porque você só pensa bosta, só faz bosta, então é um bosta? Provoca na reunião nosso terapeuta. Acho engraçado e agora posso dar um sorrisinho amarelo pelo canto da boca, sorriso dos constrangidos. A palavra pode ser murro, raio, picada de cobra, mas no noiado, no alienado, no fariseu, é apenas neblina fria e pesada das primeiras horas da manhã. O muro, próximo à Avenida São João que encontrei Sara encostada, cheirava a mijo, fezes de gente zumbizada, ela vestia seu jeans esfarrapado cor de merda e não largava o cachimbo... Para a gente fazer essas pessoas viciadas em crack largar o vício, só com choque, algema, ou caixão e vela preta porque nem a mais fervorosa irmã da Assembléia se atreve dar uma ducha nestes moribundos.
É vaga, memória que tenho e já quase se apagou: professor de ensino médio, lendo um tal de Camões, que perdeu um olho, achei engraçada a história do caolho autor daquela outra história bem cumprida de um tal Vasco da Gama, falou o professor de um sentimento que aquele cara tinha em relação ao mundo, “Os bons sofrem prá caralho e os maus se safam da calhordagem numa boa”. Onde estava a ordem e o progresso? Como pode alguém pilantra se dar bem e o que anda na linha ser massacrado pelo trem? Por isso o Mano Brow tem tanta rima e não falou nem metade da patifaria que rola na periferia. Polícia serve bem para se alarmar quando madame tem sua bolsa francesa roubada na região do Brooklin, mas e quando a menor dorme em baixo de marquise, embuchada, segurando bem firme o cachimbo e acordando só para fazer programa por cinco reais? Quem é que se alarma? A família?
A família de Sara estava muito ocupada pensando na viagem que fariam para conhecer o Mickey Mouse. Para eles um progresso, mesmo que no coração de um pai o sentimento de luto pela filha moribunda apertasse. Quem vai lucrar para reciclar esse lixo? Onde está o progresso? Sente-se madame, em sua poltrona confortável, ligue seu aparelho hometheater, coma sua pipoca sabor bacon de microondas e assista o D.V.D do lançamento do ano: Degenerada Sara mata dois na porta do Cine São João, de um diretor de filmes de ação brasileiro qualquer. Não é um filme romântico, mas tem romantismo, amor de beco entre viciados e aliciadores. Tem muito tiro, adrenalina para ser servida a um bando de adolescente ocioso na hora da sessão da tarde, para assistir enquanto come o bolinho de chuva, a mãe agrada e não vê as horas para voltarem as aulas e ela poder assistir Vale a pena ver de novo sossegada e comentar pela décima vez com a vizinha e ficar tomando conta da vida dos outros e se esquecer de ver os dedos pretos do filho que já dá uns pegas no cigarrinho do capeta. E claro, um filme com muitas continuações: Sara mata dois no centro novo; Violadores de túmulos do Cemitério Consolação; Um corpo no Cine. E se Sara realmente morreu, é melhor, é progresso.
Quanta gente será que morre no Centro e é enterrada como indigente? Não faço idéia. Sabemos que não é gente importante por isso se enterra em cova rasa identificada apenas por mais um número em qualquer canto. O preço da terra em São Paulo é caro até para ocultar ossos, para a passagem. Caixão é caro, velório é caro, cortejo é caro, quando não raro. Cortejo é coisa de gente importante, sai um monte de gente que nem manja quem é o finado para as ruas e ficam acenando, às vezes o finado foi um daqueles que afanaram a carteira do esfarrapado e, o trouxa ele fica lá abanando a mãozinha. Colocam uma bandeira brasileira em cima do caixão do defunto que a vida toda serviu o interesse dos gringos no Brasil, dono de importadora, latifundiário, banqueiro, bando de atrasa nossa vida.
Meu nome é Vanderlei Nogueira Araujo Carrasco, votem em mim, como ex-viciado lutarei por clínicas de reabilitação, projetos sociais que integrem a família e o dependente, esporte na periferia. A luta agora é para valer. O slogan da minha campanha pensando numa ordem e progresso seria o anterior, mas o que agradaria, renderia votos, faria com que eu me elegesse, segue uma ordem mais eficaz, da mentirinha bonita que as pessoas preferem, porque brasileiro está acostumado com a voz do malandro sussurrando loucurinhas no ouvido: Vamos amor, é só um pouquinho. Não vai doer nada. Você pega essa mãozinha linda e delicada e digita. Quando minha foto sair no painel, você confirma. Certo amor? Forrarei com pétalas de rosa aquela cama de motel para comemorarmos nossa vitória, amor.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

CAPÍTULO 7 - RUA

CAPÍTULO 7
Rua

Moleque que se preza, descolado, daquele tipo que se descola da obrigação emergente, gosta mesmo é de besteira, prefere toda mídia da putaria acessível, à escola. Repetições, mesmo que achando serem únicas, sempre repetições....
Musiquinha que me lembro bem: Trancou a porta do opala, depois jogou a chave fora. Ela ficou a vontade, até deitou o banco no chão. E por ai vai, remetia, suplicava que fôssemos todos canalhas e com incentivo, nossos pais, avos, mães, querem mesmo nos fazer predador.
Amarelinha era mesmo um pretexto para eu brincar com a turma do meio porque era a parte da rua que morava a Marcela: moreninha linda; cabelos pretos, longos e lisos; boca redonda e exageradamente vermelha sem maquiagem; perninha macia, tenra e clara; rostinho simpático. Era um pequeno espetáculo, porém, me via como um pobre garoto sem irmãos para brincar. Acho que aquela gente nos chamava para brincar sabendo que faziam um bem social, nunca entendi aquele olhar superior, aquela birra para emprestar a bola, aquele medo em nos convidar para o almoço. Cresci com uma cambada de gente que nunca me chamou para almoçar. Festinha de aniversário freqüentei pouco. Mesmo assim, considerava e defendia o Zé povinho da classe média, queria namorar aquela menina que com 12 anos já sabia que seria advogada, como o pai, e que falava inglês e era da equipe de ginástica do colégio particular, cheio de garotas mentalidade classe meia.
Só porque mamãe me dizia para não me juntar com o pessoal barra pesada da parte do alto, eu me arriscava pouco para o joguinho da bola, tantos gols marcados com ambas as pernas me deram considerável prestígio. E lá na parte de cima da rua morava a malandragem, gente que ouvia Bezerra da Silva e praticava candomblé nas noites de sexta e que já bebia muita cerveja, descolados.
Eu sempre obedeci minha mãe, mas quando ela sai para trabalhar seu serviço duro, humilhante e honesto, eu pegava a bicicleta para dar um rolezinho. Evidentemente, junto com a galera descolada. Eles se divertiam mais, gozavam uns das caras do outro e se batiam quase sempre. Aprendi a apanhar para depois bater e também saber quando fugir e negar para depois amolecer e sucumbir.
A Rua das Lembranças dos Meninos com Ginga, a sede, cada milímetro quadrado marcado. O tempo parece que roubou a alegria daqueles tempos e o asfalto já não é o mesmo, está todo retalhado. As calçadas já não são mais as mesmas, menos barulho de criança brincando e mais ruído de música industrial. Portões automáticos guardam os carros de gente que se enquadra na classe média, carros novos, carros parcelados, quitados, importados e motos em geral. Gente estranha, desconhecida. A nuvem da meninice dissipou e o bairro envelheceu. Reconheço ainda alguns meninos que desandaram e continuam ali por falta de opção.
─ O Vanderlei pode brincar? Perguntou Rafael para a Marcela. Era ela quem decidia o garoto da parte de baixo que poderia participar da queimada.
─ Tá bom! Respondeu a garota que mesmo correndo naquele asfalto tinha sempre branquinha a sola do pé. Milagre? Privilégio da classe média? Não sei, eu mesmo nunca chegava em casa com o pé menos sujo que o carvão. Suava? Marcela nunca suava, mantinha as bochechas avermelhadas e nunca suava, sempre com aquele ar superior e lindo.
Peguei a bola e logo no primeiro lance acertei uma bolada em cheio na cara do irmão de Marcela. Ele veio para cima, dei um murro na cara dele onde já havia acertado a bolada. Sabia que se ele continuasse com aquela valentia toda acabaria apanhando mais. Bati e me esquivei. Olhei para ela e ela mal me enxergou, ignorou, levou o irmão para dentro de casa, o bestinha chorava. E eu nunca mais fui chamado para brincar com a parte média da rua.Daí, fiquei amigo do Alemão e do Cacá e debandei para os lados de cima de vez. Minha primeira cerveja tomei no bar, ninguém me pediu R.G e eu o Cacá ainda levamos para a pracinha da Rua das Lembranças dos Meninos com Ginga as primas do Naldinho, duas moreninhas lindas que beijavam muito gostoso.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

CAPÍTULO 6 - Balão, samba e futebol, no acúmulo da sul (Parte 2)

Se o professor quisesse que eu entrasse, eu entraria com certeza. Eu estava com um bom tênis e a camiseta da escola podia confundir-se a qualquer manto sagrado. O tempo passava rapidinho e eu encostei-me ao muro da quadra, que eram pilastras separadas de quinze em quinze centímetros. Ali, comecei a me afundar quase todo, me esconder do meu próprio desejo. Acho que na nossa adolescência quando queremos fazer algo e não temos o mínimo talento para isso, ficamos todos ruborizados, queimando de raivosidade todo o estômago, vontade de socar as pessoas, xingar a esmo, explodir, vociferar, somos coca-cola agitada. Eu jogaria em qualquer posição, até goleiro, nem todo brasileiro é Pelé.

Quando eu estava quase atravessando para o lado de lá, da rua, por tanto fazer força em me ocultar, vi que o professor promovia mudanças. Jogávamos contra a 8ª série e o placar era elástico.

─ Deixa o menino brincar! Certa vez reclamou a mãe na reunião de pais, o que o professor respondia com um simples aperto de mão “pode deixar, fica tranqüila”. Fica tranqüila? Sei... Tem muita gente inventando moda por ai, perseguindo profissional sério, mas os peixões nadam de barriga para cima engordando de tão filhos de umas putas que são...

O professor era uma grande canalha (FDP). Corria na boca miúda que ele colocava as aluninhas da 8ª série no colo e pedia para chamar de “papai”. Tenho nojo desses tipos, tenho vontade de cuspir na cara. O professor de educação física xavecava e fazia o que nem sei mais, o que apenas nossa mente infértil, quase infantil de adolescente burro, podia imaginar, a gente mal sabia o que era menstruação, agora a molecada ganha camisinha na escola para usar no final de semana, depois do baile funk. Eu posso garantir que ele tinha a cara e atitude do mais infante F.D.P. Uma vez o Rick entrou gritando no vestiário que o professor Carlos não passava de uma grande bicha louca e se Deus existe iria mandar aquele bosta queimar no quinto dos infernos porque nem a Secretaria, ou a Direção, podia com ele.

Tenho raiva e nunca vou perdoar o fato de Carlos omitir-se em defender, proteger, ajudar os mais fracos, os mais inteligentes garotos bobinhos da escola, ou seja, a classe oprimida dos pernas-de-pau. Mas, se estes meninos fossem tão inteligentes assim, essa raça de meninos que escondem a cabeça entre as pernas e se matam por uma vaga no time da escola e têm queimação no estômago para jogar o joguinho da bola, porque insistir na frustração? Parece coisa de garoto da periferia, tipo abóbora de Halloween, mas a verdade é que todos somos meio que Pelé, meio que na perna ágil, ou no pensamento rápido, ou meio dentro da cabeça com a jogada mágica, porque jogávamos futebol de botão e éramos todos garrinchas, éramos todos Tafarel, Zico, Falcão, Telê, Pepe, Coutinho, Zidane, Platini, Gullit... com nossas tabelas infernais, tecendo o gol por entre a defesa adversária para depois ganhar o prêmio da Sara, meio súditos dela, desta corte chamada futebol nacional.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

CAPÍTULO 5 - Depoimento

CAPÍTULO 5

Depoimento

Clínica de Reabilitação, Brasil, muitos dos meus heróis morreram de overdose, ou estão recolhendo seus cacos, num chinelinho havaianas e tocando o terror naquela porcalhada do centro, Santa Efigência, maldito caminho das pedras. Para falar a verdade, não há nada glorioso no hábito do cachimbo infernal. Se há sexo no meio, ele não é o fim. Se há dança, acredito que da morte, lago dos cisnes negros, fumacinha que te integra às grades de imensa prisão. E todo depoimento de dependente químico aqui da clínica é parecido, sem muita variedade, é conhecer esse universo e sucumbir, com chances reduzidas de levantar, as asas de qualquer Fênix previamente cortadas:

“Quando eu conheci o crack, minha vida acabou, me prostitui até que fui morar embaixo do viaduto. ‘Tava passando em frente a um grupo, de auto-ajuda, né! Ai, eles me falaram que iam me levar para uma clínica e... só que como no processo de tratamento me veio uma recaída emocional muito grande porque os meus pais, sabe, eles não aceitavam muito ainda. Teve um dia que eu tive um despertar espiritual, não!, vou voltar para aquela clínica e vou ficar. E ai, até uma flor assim e eu falava: nossa! Eu tava... Comecei a viver de novo. Já passados seis meses de internação, eu tive a primeira visita, a minha família, a comunidade e aquele dia foi muito bom, eu vi que apesar de tudo eu não estava sozinha. A minha superação veio do amor incondicional. O amor me salvou, talvez sem o amor, eu não teria sobrevivido”.

Daí subiu ao púlpito um especialista no assunto que colocou um vídeo para assistirmos:

“Bastam dez segundo e o efeito do crack é fulminante:

─ Vendi tênis, roupa do corpo, penhorei um carro na boca por 100 pedras.

O crack também está sendo consumido por pessoas da classe média e da alta. Um estudo mostra que o consumo do crack quase dobrou. Na cidade de São Paulo, estima-se que 70.000 pessoas usem a droga. No Rio Grande do Sul, 50.000 dependentes e no Rio de Janeiro, uma mistura com maconha é celebrada em sites de relacionamento:

─ Quem usa crack não tem muita escolha: ou faz um tratamento, ou vai acabar parando em uma prisão, ou vai acabar morrendo, não tem jeito.

Uma pedra de crack chega a custar menos que uma garrafa de cerveja, mas custa muito caro para o governo. Tratamento particular, então, cerca de R$8,000,00 por alguns meses. O dependente fica internado e num primeiro momento, acredita que está numa prisão. Depois de algum tempo, muitos conseguem entender que para realmente tornarem-se livres precisam de cadeados, portas e de muitas grades, não conseguem mais se proteger de si mesmos. Este homem tem 42 anos, três filhos e foi criado por uma família de classe média alta. Só nesta clínica é a 4ª vez que tenta o recomeço. Para cada um dos 24 homens a experiência é diferente: na maior parte do tempo, eles tentam recupera a saúde e a fé, a esperança de que algo importante os espera em casa, redescobrem o prazer sem vícios.”

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

CAPÍTULO 4 - Balão, samba e futebol, no acúmulo da sul

Briga, eu nunca aprovei e digo: se possível, sai correndo, não é covardia. Naqueles tempos de várzea, já morria muita gente com as narinas entupidas de cocaína. Eram os anos 80... Não tem truque... Você fica na parte de cima do morro, longe da mulher do cachaceiro, porque alguém vai acabar dando um tiro... Bem de manhãzinha, pode pesquisar, muito baloeiro se reunia no campo do Grande Time, lá para as bandas do Jardim Progresso. Meu pai me acordava bem cedo, nunca gostei de acordar cedo, e falava que estavam soltando balão lá no campo.

Moleque, sabe como é, gosta pouco destas coisas. Eu e meu pai ficávamos a certa distância. A rapaziada ia chegando, enchendo aqueles balões imensos. A cangalha explodia sua magia furiosa no céu que quase sempre ofuscava de tão azul:

─ Aquele parece o Vasco da Gama.

E eu via subir um balão todo branco com a cruz preta, parecia mesmo uma homenagem ao Vasco. A horda era imensa. Gente muito louca e apressada, era soltar o balão e correr para o carro. Eu não conseguia nem imaginar onde ele iria cair. Hoje sou mais político no assunto, um sujeito, como dizem, global. Criançada, não podemos soltar balões porque eles são vilões da natureza (adaptado de cartilha de ensino infantil).

Daí começava o torneio. Partida inesquecível: O Jabaquara estava nos visitando. Batucada e perninha fina de metida a sambista encarando o meu pai para pagar uma cerveja. Daí o velho me apresentava:

─ Esse é meu garanhão!

Naquela época, eu nem sabia o que significava a palavra “garanhão”, isso só ganhou sentido na boca de muitas Saras. Sei lá, lembrei disto por distração, ou mesmo tesão. Porque vou lembrando e a cadência daqueles sambas antigos é o que dita o ritmo deste som.

Voltando ao jogo, o Jabaquara goleou, meu pai dizia que aquele time era do caralho (não com essas palavras, mas com palavras aproximadas). Ninguém ameaçou o time contrário, até porque a velha guarda sabia do peso e do lugar místico a qual se situava o Jabaquara. Talvez, nem Pelé, Pepe e Coutinho pudesse fazer jogo fácil com os mágicos daquele time. Tempo bom.

Daí, percebi que meu pai bebia cerveja, aos finais de semana, quando íamos para o campo do Grande Time e no restante dos dias cachaça mesmo, no bar, jogando o joguinho: sinuca, dominó e baralho, valendo uma dose de Ypiocá, que era luxo na época, a Grande Caninha. Bem de cima do morro, vi subir um poeirão e gente saindo daquele furdunço vomitando os bofes. Tiros. O bêbado estava armado, a mulher meio breaca, o rapaz bastante excitado passou a mão na proibida. Acabou o batuque e ainda não sei se o pedaço de madeira cravado no meu braço era do tamborim que se dissolveu na confusão.

A polícia demorou a chegar, esbaforidos fomos contar a confusão para a mãe, era dia de faxina, nada a distrai, nada a acalma, nem pastel, nem caldo de cana, simples assim. Entrar em casa e sair rapidinho. Meu pai era mestre em artifícios e se hoje eu sou assim, meio non sense, graça a ele, meu pai.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

QUAL É O PONTO DE REFERÊNCIA?

CAPÍTULO 3
QUAL É O PONTO DE REFERÊNCIA?


Afinal? Estou contando uma história minha? Deixo aos interessados leitores à sombra da dúvida. Minhas palavras só sei que são como as chuvas, imprevistas, devastadoras, como a imagem de um cataclismo que deixa só um poeirão. Conto também para passar o tempo, colocar as coisas no lugar, porque meu terapeuta diz que faz bem. Preso e livre. Bebendo com moderação, fumando com moderação, dirigindo com moderação, trepando (desculpe a palavra) com moderação. E que antes daqui eu era um grande exagero de tão poucas coisas. Para mim, fama, mulher, noitada, dinheiro, velocidade, safadeza, bastava para me nutrir.
Lembro-me que Sara estava sentada com duas amigas usando um binóculo. E olhava e rachava o bico. E olhava e rachava o bico. E... Fiquei curioso, ao mesmo tempo em que insensivelmente pensei que não era preciso nada disso para chamar a atenção. Baixinha, cabelos encaracolados e negros, com um colo tão branco que dava para ver a parte das costas. Sei lá, os hormônios na adolescência parece que faz a gente ver as pessoas brilhando e chamando pro sexo, quase sempre, pra se amar, pra curtir enfurecidamente longas horas, noite a dentro, num quarto humilde, mas bem pessoal.
─ Eu quero sair com você!
Achei doce, legal, a iniciativa que Sara estava tendo ao me chamar para beber. Sai com ela, fomos a um bar famoso, à beira do Grande Lago. Era uma grande festa: haviam levado a melhor banda de Hardcore e capricharam na decoração, simples, apagaram 50% das luzes, liberaram a entrada das mulheres até a meia-noite. Sara e eu conversamos coisas diversas, das quais não lembro, e nem sei se ouvi bem, não lembro. Fingi interesse, mas meus olhos não tiravam os olhos daquela boquinha carnuda e vermelha que sempre repetia:
─ Entendeu?
O que obviamente eu respondia que sim com um sorriso insinuante e aquele olhar raio x adquirido com muito treino e observação do gênero feminino, que eu muito gosto. Obviamente também as repetições facilitam lembrar dos dias, verbalizar os dias, rever. Sara e eu, nós nos beijamos e nos esfregamos durante umas 5 horas na escada que dava acesso aos quartos do pensionato. Ali na escadaria mesmo, colei-a a parede beijando e sentido o gosto daquela carne branca do pescoço e a nuca. Ela dava gemidos baixinhos e sorrisinho pela metade. A mão direita escorregou pelas costas dela e subiu para agarrar aqueles lindos cabelos negros, foi uma pegada firme, puxada digna das cenas mais fortes daquele capítulo da novela de ontem. A mão esquerda obviamente escorregou em sentido oposto, para a bunda dela. E como Sara beijava gostoso, é lembrança do gosto daquele beijo. Meio molhado, às vezes parecia que ela tinha naquele momento uma comunicação aberta com as deusas beijoqueiras mais gostosas descendentes de Afrodite. Uma vez eu sonhei com um baile funk só com as deusas gregas, uma rave de belezinhas, numa putaria colossal. Mas aquela noite ficou só na pegação. Na outra noite, com uns vinhos na cabeça, fomos para a cama... Ela havia me convidado para beber vinho, na casa dela. Daí, me passou endereço:
─ Fica no segundo ponto, depois da Grande Catedral!

A VIRTUDE QUE NASCE À BEIRA DO ABISMO

CAPÍTULO 2
A VIRTUDE QUE NASCE À BEIRA DO ABISMO

A virtude é como um câncer porque creio que espera encontrar nesses relatos um pouquinho mais de esperança, misericórdia ou mesmo fé. Verá que já é a hora porque minha essência é feliz. Me tornei árvore mais forte com o vento que os anos castigou e direi sorrindo que tornei-me ser melhor... Graças.
─ Moleque! Vê se aprende e vira homem...
Ouvia sempre de meu pai essa frase de efeito. Mas, no meu caso, a responsabilidade precoce e uma facilidade para ganhar dinheiro inverteram seus papeis: comprei minha primeira moto aos 12, e aos 20, fiz meu primeiro milhão... Mentira! Nunca tive mais de R$5.000,00 na conta.
A moto, eu, acredite se quiser, ganhei numa rifa da quermesse da São Joaquim. Eu não acreditava nesse papo de sorte (A minha sorte eu fazia, Holliwood). Ia à festa da Igreja para tomar vinho quente e quentão e ver as meninas dançar, claro. Festa Junina virou balada da moda: o padre falando para as pessoas consumirem as coisas e comprarem as rifas, ofertas ao Senhor, coisa e tal; o D.J. toca música bem sexy (Rap, Boy Band, Space Gils, Lambada, Abre a rodinha, meu amor, abre a rodinha, sem falar nas atuais, alguma coisa como Venha para a minha fábrica de chocolate, tudo bem Holliwood).
Esse papo me endoida é bem racional e toda razão em ser. Da malandragem, aprendi que cavalo dado não se olha os dentes, no caso específico da moto, foi a rifa que comprei das mãos da carolinha mais sem vergonha da festa, Rúbia. Foi a primeira garota que subiu na garupa da minha moto. Vocês já viram como as loiras, também as falsas loiras, ficam bem, de shortinho, na garupa de uma moto? Bem...
─ Eu não te falei que ia te dar sorte, campeão!
E me deu, uma grande e bela sorte, minha primeira moto, minha primeira transa, aos 12, idade razoável para se começar a vida sexual para um menino de periferia e desses casos em que a molecada perde o cabaço na quebrada, tenho mil para contar.
Hoje a molecada não está perdoando, é geração internet. Me contaram que a filha de uma dependente aqui da clínica, de apenas 11 anos, fez um filminho com mais dois meninos, ambos de 13. Gravaram tudo no celular e dividiram as imagens com os colegas da escola. Acho que por isso a mãe não agüentou a barra e se afundou mesmo. Deve se sentir culpada e é culpada mesmo. Sempre foi daquelas mães vagabundas, que enchem a cara no boteco e fica dando para qualquer Zé Mané que pagar a bebida e ri bem alto na rua e chama a atenção pela roupa ridícula e micro. Do tipo de mãe que passa maquiagem na filha e veste saia curtinha e adora ver a criança dançar até o chão umas músicas com linguagem e intenção inapropriada para menores de idade. Depois vai dizer para os outros que a culpa não é dela, fazer cara de coitada, cara de Holliwood.
─ Eu não falei que ia te dar, campeão!!!