quinta-feira, 14 de julho de 2011





Ordem e Progresso

CAPÍTULO 8
Ordem e progresso


A bandeira do Brasil, ela é bonita, das mais bonitas que já vi. Tem mar, estrelas, selva e sol em quatro cores bem distintas. Mas sentado neste banco da clínica e observando os detalhes deste ambiente que não é mais sinistro, vejo o quanto nossa bandeira é bonita e me falava no passado tão pouco. Ordem e progresso, leio. Nunca tinha parado para entender o que significa: Ordem quer dizer regra, ou comando, que o bagunçado deve se arrumar e o rebelde obedece quem pode mandar. Entendi assim porque é o que o nosso terapeuta mais prega em nossas reuniões.
─ Sejam responsáveis pelas cuecas que vocês vestem e, se ela cheira a mijo, é porque você só pensa bosta, só faz bosta, então é um bosta? Provoca na reunião nosso terapeuta. Acho engraçado e agora posso dar um sorrisinho amarelo pelo canto da boca, sorriso dos constrangidos. A palavra pode ser murro, raio, picada de cobra, mas no noiado, no alienado, no fariseu, é apenas neblina fria e pesada das primeiras horas da manhã. O muro, próximo à Avenida São João que encontrei Sara encostada, cheirava a mijo, fezes de gente zumbizada, ela vestia seu jeans esfarrapado cor de merda e não largava o cachimbo... Para a gente fazer essas pessoas viciadas em crack largar o vício, só com choque, algema, ou caixão e vela preta porque nem a mais fervorosa irmã da Assembléia se atreve dar uma ducha nestes moribundos.
É vaga, memória que tenho e já quase se apagou: professor de ensino médio, lendo um tal de Camões, que perdeu um olho, achei engraçada a história do caolho autor daquela outra história bem cumprida de um tal Vasco da Gama, falou o professor de um sentimento que aquele cara tinha em relação ao mundo, “Os bons sofrem prá caralho e os maus se safam da calhordagem numa boa”. Onde estava a ordem e o progresso? Como pode alguém pilantra se dar bem e o que anda na linha ser massacrado pelo trem? Por isso o Mano Brow tem tanta rima e não falou nem metade da patifaria que rola na periferia. Polícia serve bem para se alarmar quando madame tem sua bolsa francesa roubada na região do Brooklin, mas e quando a menor dorme em baixo de marquise, embuchada, segurando bem firme o cachimbo e acordando só para fazer programa por cinco reais? Quem é que se alarma? A família?
A família de Sara estava muito ocupada pensando na viagem que fariam para conhecer o Mickey Mouse. Para eles um progresso, mesmo que no coração de um pai o sentimento de luto pela filha moribunda apertasse. Quem vai lucrar para reciclar esse lixo? Onde está o progresso? Sente-se madame, em sua poltrona confortável, ligue seu aparelho hometheater, coma sua pipoca sabor bacon de microondas e assista o D.V.D do lançamento do ano: Degenerada Sara mata dois na porta do Cine São João, de um diretor de filmes de ação brasileiro qualquer. Não é um filme romântico, mas tem romantismo, amor de beco entre viciados e aliciadores. Tem muito tiro, adrenalina para ser servida a um bando de adolescente ocioso na hora da sessão da tarde, para assistir enquanto come o bolinho de chuva, a mãe agrada e não vê as horas para voltarem as aulas e ela poder assistir Vale a pena ver de novo sossegada e comentar pela décima vez com a vizinha e ficar tomando conta da vida dos outros e se esquecer de ver os dedos pretos do filho que já dá uns pegas no cigarrinho do capeta. E claro, um filme com muitas continuações: Sara mata dois no centro novo; Violadores de túmulos do Cemitério Consolação; Um corpo no Cine. E se Sara realmente morreu, é melhor, é progresso.
Quanta gente será que morre no Centro e é enterrada como indigente? Não faço idéia. Sabemos que não é gente importante por isso se enterra em cova rasa identificada apenas por mais um número em qualquer canto. O preço da terra em São Paulo é caro até para ocultar ossos, para a passagem. Caixão é caro, velório é caro, cortejo é caro, quando não raro. Cortejo é coisa de gente importante, sai um monte de gente que nem manja quem é o finado para as ruas e ficam acenando, às vezes o finado foi um daqueles que afanaram a carteira do esfarrapado e, o trouxa ele fica lá abanando a mãozinha. Colocam uma bandeira brasileira em cima do caixão do defunto que a vida toda serviu o interesse dos gringos no Brasil, dono de importadora, latifundiário, banqueiro, bando de atrasa nossa vida.
Meu nome é Vanderlei Nogueira Araujo Carrasco, votem em mim, como ex-viciado lutarei por clínicas de reabilitação, projetos sociais que integrem a família e o dependente, esporte na periferia. A luta agora é para valer. O slogan da minha campanha pensando numa ordem e progresso seria o anterior, mas o que agradaria, renderia votos, faria com que eu me elegesse, segue uma ordem mais eficaz, da mentirinha bonita que as pessoas preferem, porque brasileiro está acostumado com a voz do malandro sussurrando loucurinhas no ouvido: Vamos amor, é só um pouquinho. Não vai doer nada. Você pega essa mãozinha linda e delicada e digita. Quando minha foto sair no painel, você confirma. Certo amor? Forrarei com pétalas de rosa aquela cama de motel para comemorarmos nossa vitória, amor.